25 de fevereiro de 2017

Mais uma reportagem sobre a verticalização de Balneário Camboriú - Publicada pelo ClickRBS. Segue abaixo:

COM UM PLANO DIRETOR QUE NÃO ESTABELECE LIMITES DE ALTURA, BALNEÁRIO CAMBORIÚ AVANÇA PARA O CÉU E PROJETA NA PRAIA SOMBRAS DE DISCUSSÃO SOBRE O IMPACTO DO CRESCIMENTO NO MEIO AMBIENTE

TEXTO | DAGMARA SPAUTZ


O gosto da construção civil de Balneário Camboriú pelos arranha-céus chegou a um patamar inédito: entre prédios prontos, em construção e em fase de aprovação, a cidade lidera 9 das 10 primeiras posições de edifícios residenciais mais altos do país na lista do The Skyscraper Center, produzida pela organização não governamental Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH). Uma conquista que divide opiniões. Ora comparada a Dubai, ora considerada um delírio de grandeza, a orla mais vertical do Brasil levou construtoras a se especializar em obras superlativas e criou uma nova cultura no mercado. Em meio a milhares de apartamentos à beira-mar, já não basta ser luxuoso, é preciso oferecer o céu.

Ainda em construção, as duas torres do Yachthouse by Pininfarina – parceria entre a Pasqualotto & GT e a empresa de design da Ferrari – respondem pelo 1o e o 2o lugar no país, com impressionantes 270 e 271 metros de altura cada uma. A construtora é a mais recente integrante do seleto grupo das donas dos superprédios e nunca escondeu o desejo de bater o recorde.

Desde o início da obra do Yachthouse, a empresa providenciou fundações suficientes para subir o máximo possível. E obteve aos poucos autorização da prefeitura para chegar aos 81 andares que constam na lista do The Skyscraper Center. Os quatro apartamentos de cobertura terão vista para toda a orla e para os morros que contornam a cidade. Pelo menos uma delas já tem dono. Foi comprada, ainda na planta, por Neymar.

Emilson Brugnara, engenheiro da construtora, diz que embora uma obra dessa envergadura tenha desafios logísticos consideráveis, o resultado é mais vantajoso para o construtor.

– São 134 mil metros quadrados numa só obra. Para chegar a isso, às vezes é preciso ter 10 obras ao mesmo tempo, com 10 equipes de administração. Os volumes muito grandes, mas de forma única, reduzem o custo administrativo. É uma tendência de mercado – avalia.

Assim como o Yachthouse, a maioria dos prédios da lista ainda está em obras e tem previsão de entrega até 2022. Dos 10 mais altos, o Millenium Palace, da construtora FG, com 46 andares, é o único que já foi entregue. E apenas dois – The Tower e Boreal Tower – ainda estão em fase de projeto.

 

A corrida para o alto não é novidade, já que há pelo menos 40 anos a construção civil de Balneário Camboriú aposta em prédios cada vez mais altos. O pioneiro foi o edifício Imperatriz, construído na década de 1970 com 30 andares e vendido como um dos maiores prédios do Brasil na época. Embora a cidade já estivesse em processo de verticalização, o Imperatriz conseguiu se manter longos anos no topo. Agora, no entanto, chama atenção a velocidade com que os gigantes têm subido em direção ao céu.

Um exemplo são as duas torres do Villa Serena, da construtora Embraed, que em 2013 foram inauguradas com alarde como os maiores prédios residenciais do país, com 159 metros de altura e 49 andares. Em menos de quatro anos, saltaram do 1o o para o 16o lugar.

Os arranha-céus da cidade ocupam terrenos nobres, e os apartamentos atendem a um nicho de mercado bem específico. São feitos sob medida para clientes muito ricos, interessado em imóveis de luxo com não menos do que quatro suítes e mais de 200 metros quadrados. Design assinado, vista para o mar e as comodidades de um home club podem chegar ao preço de venda de até R$ 18 milhões. E quanto mais alto, melhor – e mais caro.

Corretora especializada em luxo, Fernanda Godoy não pensa duas vezes quando atende um cliente interessado em um apartamento alto em um prédio que ainda está em construção: aluga um helicóptero e pede ao piloto que plane na altura onde ficará o imóvel, para que ele tenha ideia da vista que terá.

– É um cliente que precisa fazer isso.

A pessoa já vem querendo algo que não existe em outro lugar. A gente vende a vaidade e a exclusividade.

Empresários, industriais e gigantes do agronegócio estão entre os clientes dessa construção civil superlativa em Balneário Camboriú. O perfil é de um comprador discreto, que dificilmente chega a uma imobiliária comum e revela estar atrás de um imóvel milionário. Por isso, os corretores especializados fazem sucesso nesse mercado restrito e contam com o boca a boca dos milionários para manter a seleta carteira de clientes.

Fernanda atende o consumidor final, que compra o imóvel para usufruir – ainda que seja por apenas 30 ou 40 dias no ano. Também corretor, Ricardo Canszeweski tem um perfil de cliente diferente: o investidor. De empresários a atletas, ele viaja todo o país em busca de pessoas com dinheiro de sobra. Na semana passada, por exemplo, passou quatro dias em uma cidade no interior do Paraná – que ele não revela qual é, para não alertar a concorrência – e identificou mais de 20 clientes em potencial.

Para entender as necessidades dos investidores, estuda leis, minúcias do agronegócio e acompanha de perto o mercado financeiro. Já fechou negócios em que o cliente sequer viu o apartamento. E diz que 90% querem o andar mais alto possível.

– Já vendi apartamento só porque o dono queria dizer que tem um imóvel no prédio mais alto do Brasil. A negociação com quem tem dinheiro é mais fácil, é mais rápido vender um apartamento de R$ 3 milhões do que um de R$ 500 mil – avalia.

No entanto, até mesmo os muito ricos foram atingidos pela retração econômica no país. O que interferiu diretamente nas vendas dos superapartamentos em Balneário Camboriú. A estimativa da corretora Fernanda Godoy é que as negociações tenham caído pela metade, uma redução considerável. Até 2015, ela vendia em média dois apartamentos milionários por mês:

– Não que esse cliente não tenha dinheiro, mas a instabilidade faz com que ele deixe a compra mais para frente. Ele aguarda, especula. Muitos dizem que não é o momento. É um público muito preocupado com o futuro.

O mercado só não sentiu mais porque o aumento do dólar em 2016 atraiu hermanos paraguaios e argentinos, que passaram a investir nos imóveis de luxo em Balneário Camboriú. E não foram os únicos: Canszeweski, por exemplo, tem vendido apartamentos para norte-americanos e europeus.

 

Estamos em fevereiro, ainda é verão, e o tempo está bom para a praia. No entanto, uma olhada rápida para a orla de Balneário Camboriú por volta das 21h revela poucas luzes acessas – a maioria dos imóveis está fechada. Nem mesmo no Réveillon, quando a cidade recebe o maior número de turistas, todos os apartamentos estão ocupados.

Estima-se que 60% dos imóveis de Balneário permaneçam vazios a maior parte do ano. Considerados apenas os apartamentos de alto luxo, no entanto, a taxa de ocupação é ainda menor.

Tantos milhões gastos em imóveis vazios, é claro, geram muita especulação. Uma delas é a de que apartamentos de luxo também atraiam gente que quer lavar dinheiro obtido ilegalmente.

No mercado o assunto é tabu e não se admite que isso aconteça. No entanto, a Polícia Federal inclui com frequência apartamentos milionários de Balneário Camboriú em investigações de lavagem de dinheiro. Segundo o delegado Thiago Gioavarotti, são geralmente decorrentes de operações que apuram crimes contra a ordem financeira, tráfico de drogas, contrabando e crime organizado.

Em geral, são imóveis que estão em nome de outras pessoas, os “laranjas”, para não serem detectados pelo fisco e pela polícia. A “casa cai”, no entanto, quando o dono não consegue justificar a aquisição de um apartamento tão caro.

Nesses casos, o bem é sequestrado, ou seja, fica indisponível até o fim das investigações. Quando é comprovado que foi obtido de maneira ilícita, o apartamento é alienado e o dinheiro arrecadado geralmente acaba ressarcindo os prejuízos causados, principalmente para pagar impostos sonegados.

– Acontece bastante, não só com imóveis mas também com carros de luxo – diz o delegado.

O plano diretor de Balneário Camboriú não estabelece limites de altura. Assim, não há limites também para os projetos megalomaníacos. Ao longo dos anos, a falta de regramento levou os edifícios mais altos cada vez mais perto da praia e resultou na imensa sombra que se projeta sobre o mar e a faixa de areia antes das 16h. Não raro, turistas “se espremem” nas réstias de sol que aparecem entre um prédio e outro.

A sombra não atrapalha apenas o bronzeado. Adriano Marenzi, pós-doutor em aquacultura, diz que a falta de sol, especialmente no fim da tarde, interfere na vida marinha. Atrapalha o ciclo de vida de animaizinhos bem conhecidos de quem frequenta as praias, como tatuíras, mariscos, caramujos e siris. Todos eles, raros de se ver na praia Central de Balneário Camboriú.

– Se não tem luz, não tem vida – afirma o pesquisador.

Os problemas não se limitam à areia. A ventilação e a iluminação são prejudicadas pela proximidade dos edifícios. E os gigantes causam um estranho fenômeno, com fortes corredores de vento nas ruas transversais, capazes de derrubar os desavisados em dias de ventania.

Arquiteto e professor da Univali, Carlos Barbosa diz que há elementos positivos nos superprédios. Como o desenvolvimento de novas tecnologias construtivas e o reconhecimento da cidade como referência em fundações de grandes edifícios à beira-mar. No entanto, alerta para o efeito das construções luxuosas e pouco habitadas na dinâmica da cidade:

– São poucos moradores ocupando aquele espaço, o que mata aquela parte da quadra. Em uma das menores cidades de Santa Catarina, fazer isso é matar a galinha dos ovos de ouro. O poder público precisa saber dosar onde quer essas construções – diz.


Também professora do curso de Arquitetura da Univali, Patrícia Trentin Colzani acredita que faltou a Balneário Camboriú um planejamento adequado:

– Ter grandes edifícios não é problema. Eles trazem vitalidade e empregos à cidade. Mas em Balneário não se planejou alturas escalonadas, que poderiam evitar os problemas.

O ideal, dizem os especialistas, era que se tivesse estabelecido, décadas atrás, prédios menores na beira do mar e o aumento gradativo de altura conforme se afastassem da orla. Houve uma tentativa, ainda na década de 80, de evitar a sombra exigindo um recuo maior. Daí nasceram alguns prédios que têm um espaço na frente, geralmente a área de lazer, e a torre mais afastada. A iniciativa, no entanto, não durou muito.

Secretário de Planejamento, Edson Kratz defende que a verticalização é benéfica numa cidade com as características de Balneário:

– A maior preocupação não está na verticalidade, mas no adensamento populacional. É melhor ter menos apartamentos por andar, em prédios mais altos, do que mais apartamentos em prédios menores espalhados pela cidade. Quando se verticaliza, a taxa de ocupação é menor – avalia.

Embora permissiva, com regras apenas para metragem mínima dos apartamentos, hoje a legislação municipal prevê que grandes empreendimentos apresentem estudo de impacto de vizinhança e compensem a cidade com ações mitigatórias. Ocorre que ainda não há regras para estabelecer que ações são essas, e uma série de empreendimentos ainda aguarda para restituir a cidade de alguma forma.

O secretário reconhece que há um impacto momentâneo das grandes obras, que causam transtornos ao trânsito, por exemplo. Mas acredita que é no impacto definitivo que devem se concentrar os esforços – e sugere a criação de parques ambientais para preservar a morraria que cerca Balneário Camboriú. A maioria, diga-se de passagem, mais baixa do que os arranha-céus.

 

Num mercado imobiliário tão específico como Balneário Camboriú, as construtoras de fora ainda têm dificuldade para emplacar grandes projetos. Seja pela expertise das empresas locais, seja pelo corporativismo entre elas, o fato é que o mercado é dominado por não mais do que cinco gigantes, todas nascidas na região. Entre as maiores construtoras, a FG Empreendimentos é a que concentra mais arranha-céus. Tem cinco projetos entre os 10 mais altos do país – One Tower, Infinity Coast, Epic Tower, Boreal Tower e Millennium. Premiada como uma das cinco maiores empresas brasileiras em construção imobiliária, a construtora trata o assunto arranha-céus quase como tabu. Não comenta a altura dos prédios nem sua posição ranking.

As críticas da imprensa nacional aos impactos das superconstruções, em especial à sombra na praia, tornaram o assunto espinhoso para os empresários. Hoje, a maioria não quer nem falar nem sobre as técnicas que usam para erguer os arranha-céus, que incluem testes em túneis de vento na Inglaterra e atraem centenas de estudantes de engenharia e arquitetura todos os anos, interessados num modelo único de construção.

Mais difícil ainda é encontrar um dono de superapartamento disposto a mostrar sua vista privilegiada. Tentamos mais de uma vez autorização para subir nos edifícios gigantes que já foram entregues para contar qual a sensação de viver a muitos metros do chão. A resposta foi sempre a mesma: o síndico não autoriza. Por ironia, os arranha-céus são mesmo para serem vistos do chão.

Não há previsão de frear a indústria dos superedifícios em Balneário Camboriú. Nem que para isso seja necessário demolir prédios mais baixos inteiros. Até mesmo o icônico hotel Fischer, construído na década de 1950 na Barra Sul, foi para o chão. A construção civil não apenas divide com o turismo o título de principal matriz econômica da cidade, mas também é sua indústria mais influente. Recentemente, descontentes com os rumos das discussões do plano diretor, os construtores se reuniram e montaram a própria versão, que foi entregue ao poder público. O plano diretor da construção civil não prosperou, mas também não causou estranhamento em uma cidade acostumada ao poderio de uma indústria feita de ferro e cimento.

Construtores têm forte participação na política. Nos últimos 20 anos, dois prefeitos – Leonel Pavan (PSDB) e Rubens Spernau (PSDB) eram empresários do ramo. No momento, o vice-prefeito é o ex-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Carlos Humberto Silva (PR).

É uma indústria forte e voraz o suficiente para influenciar o modelo de ocupação das cidades do entorno. Caso de Itapema, que, embora tenha mais limitações do que Balneário, viu a paisagem se alterar significativamente na última década.

Recentemente a Praia Brava, reduto do surfe e de um estilo de vida low profile, virou a bola da vez das construtoras de Balneário Camboriú. Os prédios ainda não são tão altos, mas o modelo de ocupação passou a ser muito semelhante – e preocupante.

– Está se replicando o modelo de Balneário em uma praia mais agreste, com características muito diferentes. E isso preocupa – diz o arquiteto Carlos Barbosa, que complementa:

– Vemos os municípios do entorno indo pelo mesmo caminho, até mesmo Navegantes, que sempre foi horizontal. A verticalização tem suas vantagens, mas estamos esquecendo que existem outros modelos de ocupação.

FONTE: http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/dc_nos69_bc/